OS TESOUROS DE MEU TIO
A rua se
chamava Aurora. Sugestivo nome, poético até, para um endereço. Era nessa rua
que ficava a casa de minha tia, irmã de minha mãe, a quem visitávamos
costumeiramente às tardes, durante os dias da semana.
Recordo-me que
havíamos mudado para a cidade há pouco tempo, talvez houvesse uns dois anos. Eu
cursava o primeiro ou segundo ano escolar, não me lembro bem. Minha mãe me
apanhava na saída da escola e íamos lá, para a casa de minha tia que ficava em
uma pequena vila da Rua Aurora, cujo acesso, era um estreito corredor. O portão
de madeira da sua casa ficava bem atrás da primeira curva do tal corredor.
Tia Lourdes fazia
sobremesas preciosas. O cheiro de baunilha que vinha de seus pudins e manjares
e que inundava todo o corredor da pequena vilazinha, ainda passeia por minha
memória olfativa.
Quando não
havia nenhum bolo ou biscoitos caseiros, o que, aliás, era muito raro, eu
acompanhava meu primo até a mercearia da rua de baixo, para comprar bolachinhas
a granel para o café da tarde.
Interessante
notar que em meio a essas saborosas lembranças, aparecem cores. As cores claras
dos móveis da cozinha de minha tia, as cores das paredes e a cor vermelha. Meu
primo havia ganhado um caro de bombeiros do “papai Noel”. Era um carro movido a
pilhas, com suas luzes coloridas e sirene. Um luxo para a época, pois quase
ninguém tinha um brinquedo assim. Pelo menos não entre os meninos que eu
conhecia. Então ele e meu irmão iam brincar no quarto com o carrinho de
bombeiros, fazendo uma algazarra saudável e, nesse momento, extremamente
saudosista. Era nessa hora que meu tio, que era enfermeiro, depois de trabalhar
a noite toda no hospital e de atender seus pacientes particulares, acordava de
seu breve cochilo vespertino. Essa é uma das mais vivas lembranças que tenho
dele. Seu sorriso largo, sua simpatia e sua paciência com toda aquela garotada
a quebrar-lhe o merecido repouso. Meu tio Elcio, guerreiro, sempre trabalhando.
Sempre, incansavelmente.
Então, ele
abria sua estante de portas de vidro, cujo som de seu movimento ainda escuto,
dentro dessas lembranças. A cor vermelha enfim se revela. Não era do carrinho
de meu primo. Era das capas dos livros que ele carinhosamente colocava em
minhas mãos para ver se eu sabia mesmo ler, brincando de desafio para me
incentivar à leitura. Quantas histórias, quanta informação naquelas
enciclopédias que se comprava dos vendedores ambulantes na porta de casa.
Tesouros da Juventude, Trópicos, Estórias Maravilhosas e muito mais. Livros
nunca faltaram na casa de meu tio. Ele dava um imenso valor à leitura e aos
estudos. Talvez ele nem fizesse idéia do quanto ele me influenciou para o meu
gosto pela leitura, ou talvez sempre soubesse em seu íntimo.
Outro dia eu
vi em uma livraria um cartaz com a seguinte frase de Bill Gates: “Claro que
meus filhos terão computadores, mas antes terão livros”. Acho que ele deve ter
tido um tio como o meu.
Penso que a
melhor maneira de agradecer-lhe, é partilhando essa narrativa, para que outros
tios que hora lêem estas poucas palavras, façam como ele: desafiem seus
pequenos a ler.
Arnaldo Martinez de Bacco
Junior
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