BIBLIOGRAFIA
Outro
dia desses, meu pai resolveu fazer um passeio diferente. Tive o privilégio de,
em sua companhia, visitar o lugar onde ele nasceu. Começamos pelo local onde
ficava a casa em que a família de meu avô morou. Por ser funcionário da Companhia
Mogiana de Estrada de Ferro, meu avô morava em uma casa da empresa que ficava
do lado da linha do trem, àquela época, bem retirada da cidade. Hoje a casa não
existe mais. Foi demolida por razões técnicas, coisas da urbanização. Dalí
fomos para a antiga estação ferroviária, hoje transformada em um precário aparelho
social. Andamos por algumas ruas, percorremos o centro velho, passamos pela
escola em que ele estudou, momento em que saudoso, contou-me como eram seus
professores e como ele era enquanto aluno. Chegamos até a Praça da Matriz, onde
meu pai engraxou muito sapato para ganhar alguns trocados e assim assistir as aventuras
de seus heróis favoritos nas matinês do cinema que não existe mais. Olhei nos
olhos de meu pai e pude ver através deles Tarzan, Flash Gordon, Rin Tin Tin,
Roy Roggers e seu inseparável cavalo Tigers, e tantos outros personagens que
por muito tempo povoaram a fantasia dele de seus amigos de infância. Fomos ao
campo de futebol, hoje transformado em um frigorífico desativado, mas ainda
vívido na memória de meu pai. Voltamos para a década de mil novecentos e
quarenta. Conheci alguns de seus amigos, lamentei com ele o passamento de
muitos deles, ouvi histórias de futebol, de travessuras e de disputas
eleitorais, já que meu pai trabalhava na tipografia do jornal da cidade e desde
muito cedo se envolveu no fascinante mundo da política, quando essa era uma
atividade romântica. Absorvi intensamente a releitura daquela tarde memorável,
na qual muito aprendi partilhando das lembranças de meu amado pai.
Ás
vezes sou convidado a falar em algumas escolas, o que para mim é ao mesmo tempo
honroso e desafiante. Numa dessas falas em que o assunto era sobre a
necessidade de se fazer da rotina algo novo e surpreendente, uma das pessoas
que educadamente me ouviam, perguntou-me sobre a bibliografia que eu pudesse
indicar sobre o tema. Nesse momento, lembrei-me da viagem no tempo que fiz com
meu pai. Respondi então que a melhor bibliografia para aquele momento seria
fazer a releitura de nós mesmos. Reler nossa vivência como alunos, o que
esperávamos da sala de aula, o que nos repelia e principalmente o que nos
encantava. Reler nossa experiência como regentes de sala, reler as mensagens
que os alunos tem nos mandado durante todo o tempo.
Isso
vale não só para a sala de aula, mas para outras circunstâncias de nossas
vidas. Num tempo em que a leitura é tão acessível, que a livrarias estão
abarrotadas de obras sobre os mais diversos assuntos, algumas de excelente
qualidade, é importante adquirir uma boa bagagem intelectual, pois a leitura
nos dá conhecimento e segurança, não há dúvidas. Mas muito mais que ler bons
livros, precisamos aprender a ler a nós mesmos, aprender com o que vivenciamos
de bom ou de ruim, fazendo crescer nossa alma para que, como afirmou Pessoa,
tudo possa valer a pena.
Cr`^onica publicada no jornal "...E A FAMILIA, COMO VAI?"
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