ARAPUCAS
Gosto
muito de histórias de meninos. Elas nos mostram lições interessantes, na
maioria das vezes.
Meu
pai sempre nos conta de suas traquinagens quando criança. E ele era um menino
realmente peralta.
Criado
em uma fazenda de uma das pequenas cidades aqui da região, ele desfrutou de uma
vida muito livre, em contato permanente com a natureza. Aprendeu a nadar no
riacho imitando o Tarzã, seu herói favorito das matinês de domingo que ele
assistia depois de ganhar alguns trocados engraxando sapatos na praça central
da tal cidade, para onde todos se dirigiam aos finais de semana. Jogou pião, brincou
com bolinhas de gude, colecionou figurinhas e botões de times de futebol e
também aprendeu a fazer estilingues e arapucas.
Em
suas incursões pela mata da fazenda adentro, uma de suas diversões era, como
todos os meninos de sua época de garoto, caçar passarinhos.
Para
tanto, o meu pai se tornou um exímio construtor das tais arapucas, armadilhas
feitas de paus trançados que formavam uma pequena caixa suspensa por uma
varetinha que por sua vez era presa a um barbante comprido. Sob a arapuca,
colocavam-se alguns grãos de arroz ou quirera de milho. Quando o passarinho
baixava de seu vôo para comer a isca, puxava-se o barbante, prendendo-o dentro
da arapuca, de onde era retirado em seguida e colocado em uma gaiola. Ao
perceber que estava preso, o pobre bichinho se debatia desesperadamente,
tentando em vão escapulir para a liberdade do céu aberto. Depois de muito
tentar, aquietava-se amuado em um canto da gaiola.
Meu
pai, ainda menino, foi percebendo que aquela diversão na verdade traduzia-se em
uma crueldade com os pássaros, que eram muito mais belos voando livres e
cantando do alto de seus ninhos. Assim, ele trocou a caça pela simples
observação, aprendendo depois a assobiar vários cantos diferentes de
passarinhos, que até hoje ele imita para a diversão das crianças de casa.
Às
vezes eu fico observando a escola e as crianças dentro dela. Observo quando
chegam quietas e noto a algazarra alegre delas quando vão embora. Dia após dia.
É como se a Escola fosse uma imensa arapuca.
Atrai as crianças com merendas e outros benefícios como os tais cartões sociais
e as apanham. Afinal, como diz a lei, lugar de criança é na escola. Mas na
escola a criança não consegue ser feliz. Como um pássaro preso na gaiola, ela
se debate, se rebela,fala mal, agride, fica mal comportada, destrói o
patrimônio público, torna-se um problema. Mas a lei é clara: Escola para todos!
Mesmo para os que não querem. E a essa altura não importa saber o porquê não
querem. Não é problema da lei. O professor é que tem que dar um jeito de fazer
com que aquela criança, mesmo contra sua vontade, aprenda. Justo ele, o
professor, que há muito tempo já não sabe mais como é voar, como é estar fora da
arapuca da sobrevivência que o sufoca anos a fio sem que ele se aperceba. E há
o conteúdo programático que não pode ser alterado, ainda que a criança nunca
fará uso deles em sua vida, sobretudo hoje em dia em que a escola deixou de ser
a única detentora de conhecimentos; a papelada da burocracia, os diários de
classe e os relatórios que provavelmente ninguém vai ler; a dupla jornada e os
acúmulos de cargo para que se possa obter um salário razoável; os projetos que
“caem” de cima para baixo e que é preciso executá-los de qualquer maneira; as
intermináveis reuniões pedagógicas que quase sempre discutem textos que
esculhabam com o professor e, para piorar ainda mais a situação, tem as leis de
agora que protegem principalmente os “maus” alunos e que leva muitos a desabafarem
dizendo que não se formaram para serem babás de marmanjos.
Mas nada disso
importa, pois a lei está sendo cumprida, as autoridades estão satisfeitas e as famílias
beneficiadas.
Educação não
pode ser por obrigação. Tem que ser pelo prazer tanto de aprender, quanto de
ensinar. As intenções das leis são boas e por isso, bem vindas, mas é preciso
repensar urgentemente alguns conceitos como obrigatoriedade do ensino, papel da
escola, da família, da sociedade e das autoridades, conteúdos programáticos, respeito
mútuo, funções dos alunos e dos professores e em alguns casos, até o conceito
de profissão de mestre-escola, para que a Escola deixe de ser uma arapuca e se
transforme em uma floresta harmoniosa, agraciada pela alegria do canto e do vôo
dos pássaros.
Arnaldo Martinez de Bacco Jr.
Crônica publicada no jornal "...E A FAMILIA, COMO VAI?"
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