sábado, 13 de junho de 2015

TRAMELAS




          Quando garoto, depois que nos mudamos para a cidade, de vez em quando eu ia com meus pais visitar alguns tios e amigos que moravam em uma usina de açúcar aqui da região.
          Era a usina para onde meus pais se mudaram logo que eu nasci. Portanto, foi lá que eu passei os meus primeiros anos cujas lembranças passeiam pela minha memória um pouco desconexas às vezes e em outras, bem vívidas como neste momento em que aqui as descrevo.
          Lembro-me das casas branquinhas que ficavam dispostas de frente para uma imensa plantação de eucaliptos de onde no final da tarde, exalava um perfume tão suave que ainda hoje sou capaz de senti-lo.
          Chamávamos aquele lugar de Colônia. Ali moravam as pessoas que, como os meus pais, trabalhavam na usina. Gente que trabalhava no plantio e corte da cana, na lida com o fabrico do açúcar, no transporte, no escritório, no armazém, enfim, em todas as atividades necessárias à produção do “ouro branco”. Durante os seis anos em que lá moramos, minha mãe costurava para ajudar no orçamento da casa, enquanto meu pai trabalhava na gráfica e, juntamente com seu compadre, dirigia o time de futebol e cuidava da sede social da usina. Talvez por isso eles fossem tão populares e queridos, mesmo depois de se mudarem de lá.
          Pensando nas casas da colônia, vêm à minha memória os galinheiros onde eu brincava, a horta que havia no fundo de casa, a leveza da água tirada da cisterna, o cheiro do pão caseiro feito no fogão de lenha. Sabores da infância. Lembro-me também das portas e janelas de casa. Nelas não havia fechaduras. Só era possível trancá-las usando uma trava de madeira chamada tramela que era posta de uma extremidade a outra da porta ou da janela, pelo lado de dentro.
          Ao lembrar-me das tramelas que existiam na casa de meus pais, fico pensando nas tramelas que nós inventamos em nossos corações. Trancamo-nos por dentro em relação às outras pessoas. O saber daqueles com quem nos relacionamos, não nos interessa. Assumimos uma posição egocêntrica na qual não se apresenta nenhum esforço no sentido de ampliar a compreensão do outro. Só a nossa fala é que vale. Só o nosso saber é portador da verdade civilizatória.
         Agimos, às vezes inconscientemente, tal qual agiram os colonizadores que se negaram a compreender os nativos habitantes dos territórios conquistados e os dizimaram sem piedade. Quanto saber, quanta cultura, quanta ciência desapareceu, sem que outros povos sequer tomassem conhecimento de sua existência. Tudo porque simplesmente negou-se o compreender do outro. Compreender o outro, é compreender-se a si mesmo refletido no seu diferente. No entanto, nos negamos a compreender o outro e alimentamos desse modo, a intolerância.
          Muito me preocupa que as escolas têm se ocupado tanto em educar para compreender as técnicas de comunicação, para compreender a álgebra, a ciência ou os fatos da história, mas não têm se dedicado, de um modo generalizado, a educar para a compreensão entre os seres humanos na prática, embora esta falácia conste da maioria dos Projetos Políticos Pedagógicos. Enquanto isso, milhões de programas são elaborados para tentar diminuir a violência e o desrespeito que dominam o universo juvenil, mas sempre, de um modo geral, a partir da ótica dos que nunca vivenciaram as situações vividas pela maior parte dos jovens aos quais se destinam estes tais programas e que por isso, acabam sendo ineficazes.
           O educador Edgar Morin elenca o ensino da compreensão humana como um dos sete saberes necessários à educação do futuro.
          A educação para a compreensão não é tarefa fácil. Exige empatia, ver o mundo com os olhos do outro, sentir como o outro, colocar-se na pele do outro. Exige compreender o ódio e o desrespeito, exige compreender como se dá a incompreensão no outro. Educar para a compreensão é despir-se de nosso eu antes de proceder a acusações e julgamentos. Só assim poderemos argumentar com solidez e autoridade, sobre cultura de valores.
          Quanto aos conteúdos operacionais que tanto preocupam muitos educadores que entendem a educação como o ato de passar os conteúdos acadêmicos de suas especialidades e que se queixam muitas vezes do desinteresse dos alunos em absorvê-los, tenho plena convicção que ao trabalhar a compreensão humana, o eu no outro e com o outro, este aprendizado se encarregará, certamente, de destrancar as tramelas que por ventura impeçam o entendimento de outros saberes.
                  
                                                                                                       Arnaldo Martinez de Bacco Junior

          

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