sábado, 13 de junho de 2015

LEITURA PELOS OUVIDOS

            Na casa em que morávamos na usina de açúcar em que meu pai trabalhava, na qual passei a minha primeira infância, havia na cozinha, um velho fogão de lenha coberto por uma camada de cimento misturada a uma pigmentação em pó, cujo efeito era popularmente chamado de “vermelhão”, que minha mãe mantinha sempre limpinho e encerado.
            Embora minha mãe fizesse pouco uso deste fogão, sua presença na cozinha dava a ela, certo ar de imponência e encantamento. A cozinha era o espaço mais solene da casa, até mais que a sala de visitas, da qual, aliás, pouco me lembro.
            Havia também na cozinha, uma bela cristaleira de jacarandá, onde minha mãe guardava alguns de seus maiores tesouros, que eram seus copos decorados e suas tigelas de louça, além da fruteira de cristal e da compoteira que ela fazia questão de manter sempre cheia de queijadinha, pé-de-moleque ou doce de leite com côco, que ela fazia com tanto carinho e cujos sabores jamais provei igual.
            Outro objeto sacralizado da cozinha, disposto no alto de uma cantoneira, em frente ao fogão de lenha, era o velho rádio valvulado, feito em madeira clara com botões em madrepérola e auto-falante envolto numa palha leve, pelo qual o mundo da informação e do entretenimento penetrava em nossa casa. E foi por ele também que encontrei pela primeira vez com Christian Andersen, La Fontaine, Irmãos Grimm e outros autores, através do programa do Vovô Jeremias que ia ao ar todas as tardes, logo depois do almoço. Minha imaginação voava ao sabor daquelas histórias e contos, acompanhados pelos doces de minha mãe e que tão profundamente marcaram minha memória. A cigarra e a formiga, A roupa nova do Rei, Festa no céu, Os quatro heróis, O flautista mágico, Ali Babá e os quarenta ladrões, Simbad o marujo... Depois, quando nos mudamos da Usina para a cidade e entrei na escola, vieram os livros. Mas o meu primeiro contato com o universo da fantasia, com a maravilha da palavra escrita, foi pelos ouvidos. Muitas vezes pelas histórias que minha mãe sempre me contava antes de dormir e outras tantas pela magia do rádio
Não sei afirmar ao certo, mas penso que programas como o do Vovô Jeremias não existem mais. Alguém poderá dizer: - Ah, mas hoje os tempos são outros. Temos a televisão, vivemos neste momento, a era da imagem. De fato, temos a televisão, onde com raras exceções, há muita imagem, muita cor e pouco conteúdo, mas não estou discutindo desenhos animados ou programação televisiva, estou falando de narrativas, da força da palavra escrita, de leitura, de imaginação. Coisas que a televisão, na maioria das vezes, não contempla, mas isso é outra discussão.
Já escrevi antes sobre a importância do contar de histórias para as crianças, um hábito tão saudável que hoje sinto que está se perdendo, assim como outros hábitos familiares que têm desaparecido diante da imperiosa velocidade a que temos nos submetido. Às vezes é preciso para um pouco e repensar nossos valores.
             A magia do rádio só funcionava porque minha mãe estava ali do meu lado e depois, à noite, repetia docemente as histórias na cabeceira de minha cama. É disso que estou falando. Televisão, DVDs, sites de historinhas, toda essa tecnologia é muito bem vinda, mas não substitui o calor humano. Aliás, elas só fazem sentido se estivermos juntos de nossos filhos, passeando pelos sites, assistindo com eles os seus desenhos favoritos ou folheando com eles os livros que tanto gostam. Carinho, afeto, amor. Agindo desse modo, não apenas incentivamos a imaginação de nossas crianças, como também as fazemos mais seguras e confiantes por se sentirem amadas, evitando milhões de dissabores futuros. Pensemos juntos nisso.


                    Arnaldo Martinez de Bacco Junior
                                                     

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