LEITURA PELOS OUVIDOS
Na
casa em que morávamos na usina de açúcar em que meu pai trabalhava, na qual
passei a minha primeira infância, havia na cozinha, um velho fogão de lenha
coberto por uma camada de cimento misturada a uma pigmentação em pó, cujo efeito
era popularmente chamado de “vermelhão”, que minha mãe mantinha sempre limpinho
e encerado.
Embora
minha mãe fizesse pouco uso deste fogão, sua presença na cozinha dava a ela,
certo ar de imponência e encantamento. A cozinha era o espaço mais solene da
casa, até mais que a sala de visitas, da qual, aliás, pouco me lembro.
Havia
também na cozinha, uma bela cristaleira de jacarandá, onde minha mãe guardava
alguns de seus maiores tesouros, que eram seus copos decorados e suas tigelas
de louça, além da fruteira de cristal e da compoteira que ela fazia questão de
manter sempre cheia de queijadinha, pé-de-moleque ou doce de leite com côco,
que ela fazia com tanto carinho e cujos sabores jamais provei igual.
Outro
objeto sacralizado da cozinha, disposto no alto de uma cantoneira, em frente ao
fogão de lenha, era o velho rádio valvulado, feito em madeira clara com botões
em madrepérola e auto-falante envolto numa palha leve, pelo qual o mundo da
informação e do entretenimento penetrava em nossa casa. E foi por ele também
que encontrei pela primeira vez com Christian Andersen, La Fontaine, Irmãos
Grimm e outros autores, através do programa do Vovô Jeremias que ia ao ar todas
as tardes, logo depois do almoço. Minha imaginação voava ao sabor daquelas
histórias e contos, acompanhados pelos doces de minha mãe e que tão
profundamente marcaram minha memória. A cigarra e a formiga, A roupa nova do
Rei, Festa no céu, Os quatro heróis, O flautista mágico, Ali Babá e os quarenta
ladrões, Simbad o marujo... Depois, quando nos mudamos da Usina para a cidade e
entrei na escola, vieram os livros. Mas o meu primeiro contato com o universo
da fantasia, com a maravilha da palavra escrita, foi pelos ouvidos. Muitas
vezes pelas histórias que minha mãe sempre me contava antes de dormir e outras
tantas pela magia do rádio
Não sei
afirmar ao certo, mas penso que programas como o do Vovô Jeremias não existem
mais. Alguém poderá dizer: - Ah, mas hoje os tempos são outros. Temos a
televisão, vivemos neste momento, a era da imagem. De fato, temos a televisão,
onde com raras exceções, há muita imagem, muita cor e pouco conteúdo, mas não
estou discutindo desenhos animados ou programação televisiva, estou falando de
narrativas, da força da palavra escrita, de leitura, de imaginação. Coisas que a
televisão, na maioria das vezes, não contempla, mas isso é outra discussão.
Já escrevi
antes sobre a importância do contar de histórias para as crianças, um hábito
tão saudável que hoje sinto que está se perdendo, assim como outros hábitos
familiares que têm desaparecido diante da imperiosa velocidade a que temos nos
submetido. Às vezes é preciso para um pouco e repensar nossos valores.
A magia do rádio só funcionava porque minha
mãe estava ali do meu lado e depois, à noite, repetia docemente as histórias na
cabeceira de minha cama. É disso que estou falando. Televisão, DVDs, sites de
historinhas, toda essa tecnologia é muito bem vinda, mas não substitui o calor
humano. Aliás, elas só fazem sentido se estivermos juntos de nossos filhos,
passeando pelos sites, assistindo com eles os seus desenhos favoritos ou
folheando com eles os livros que tanto gostam. Carinho, afeto, amor. Agindo
desse modo, não apenas incentivamos a imaginação de nossas crianças, como
também as fazemos mais seguras e confiantes por se sentirem amadas, evitando
milhões de dissabores futuros. Pensemos juntos nisso.
Arnaldo Martinez de Bacco
Junior
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